O Testamento de um Cão (FRANK REICHSTEIN)

"Minhas posses materiais são poucas e eu deixo tudo para você... Uma coleira mastigada em uma das extremidades, faltando dois botões, uma desajeitada cama de cachorro e uma escudela de água que encontra-se fendada na borda.

Deixo para você a metade de uma bola de borracha, uma boneca rasgada, que você vai encontrar debaixo da geladeira, um ratinho de borracha sem apito, que está debaixo do fogão da cozinha, e uma porção de ossos enterrados no canteiro de rosas, e sob o assoalho de minha cama. Além disso, eu deixo para você a memória, que, aliás são muitas.

Deixo para você a memória de dois enormes e meigos olhos marrons, a memória de uma caudinha curta e espetada, de um nariz molhado e de choradeiras atrás da porta.

Deixo para você uma mancha no tapete da sala de estar junto à janela, quando nas tardes de inverno eu me apropriava daquele lugar, como se fosse meu, e me enrolava feito uma bolinha para pegar um pouco de sol.

Deixo para você um tapete esfarrapado em frente à sua cadeira preferida, o qual nunca foi consertado com o tipo de linha certo, essa é a verdade. Eu o mastiguei todinho, quando ainda era bem novinho, lembra-se? Também deixo para você a memória da primeira surra que levei e também todo meu esquecimento.

Deixo para você um esconderijo que fiz no jardim, debaixo dos arbustos perto da varanda da frente, onde eu encontrava asilo durante aqueles dias de verão . Ele deve estar cheio de folhas agora, e por isso, talvez você tenha dificuldades em encontrar. Sinto muito!

Deixo, também, e só para você, o barulho que eu fazia ao perceber que iríamos sair para vagabundearmos pela praia.

Deixo ainda a lembrança de momentos pelas manhãs quando saíamos juntos pela margem do riacho, e você me dava aqueles biscoitos de baunilha. Recordo-me de suas risadas, porque eu não conseguia alcançar aquele gato impertinente. Deixo-lhe como herança minha devoção, minha simpatia, meu apoio quando as coisas não andavam bem; meus latidos quando você levantava a voz aborrecida... e minha frustração por você ter ralhado comigo todas as vezes que eu lambia e botava o nariz debaixo da cauda.

Eu nunca fui à igreja e nunca escutei um sermão. No entanto, mesmo sem haver falado sequer uma palavra em toda a minha vida, deixo para você um exemplo de paciência, de amor e compreensão. Sua vida foi mais alegre por que eu vivi. Obrigado por ter me cuidado tão bem."

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